Ao analisar o caso da adolescente de 14 anos, resgatada nesta semana pela Polícia Civil de Santa Isabel após ser mantida em cárcere privado por quase um ano e obrigada a manter relação sexual com o padrasto de 31 anos, o ex-secretário Nacional do Direito da Criança e do Adolescente Dr. Ariel de Castro Alves aponta uma falha grave da rede de proteção, que, de acordo com ele, deveria ter atuado, antes da ação da própria polícia. “Claramente a rede falhou, cabe agora ao Ministério Público, por meio da promotoria da infância e juventude apurar essas falhas”, disse Dr. Ariel.
Veja Também
- Estado aprova modelo de concessão e Arujá vai ter pedágio
- Médico alerta para cuidados no calor excessivo
- Operação conjunta prende quadrilha que matou caminhoneiro
O caso desvendado nesta semana, reforça uma triste estatística do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de que em média, 107 crianças e adolescentes são vítimas de violência sexual por dia no Brasil, deste total, 70% dos crimes ocorrem dentro do lar da própria vítima, no qual o agressor e sempre uma pessoa ligada a ela.
O homem foi detido em flagrante pela Polícia Civil de Santa Isabel na segunda-feira, 13/11, que tomou conhecimento do caso por meio de uma denúncia feita pela tia da adolescente um dia antes. A série de estupros acontecia há pelo menos um ano, de segunda a sexta-feira sempre entre às 6h30 e 7h, horário em que o padrasto ficava sozinho com a vítima em casa. O crime bárbaro tinha o aval da própria mãe da adolescente, que confessou aos policiais, que queria que a filha engravidasse de seu companheiro.
“Sempre nesse horário, o padrasto ficava sozinho com a menina em casa, pois a mãe saia para levar a irmã mais nova para a escola o que facilitava para o delito. Diante da denúncia, fomos na manhã de segunda-feira, com nossa equipe até o local no horário que saberíamos que eles estariam sozinhos e conseguimos entrar na residência”, explicou a delegada Titular de Santa Isabel, Dra. Regina Campanelli.
Os policiais descobriram ainda que a vítima estava há cerca de seis meses sem frequentar a escola e sequer podia sair de casa, pois era mantida em cárcere privado pelo padrasto e a mãe, para servir como uma espécie de escrava sexual. Fato é que, mesmo estando tanto tempo sem ir à escola, o Conselho Tutelar de Santa Isabel,não recebeu nenhuma notificação que pudesse indicar a evasão escolar da adolescente, o que poderia ter provocado uma busca ativa e quem sabe até o resgate da vítima das mãos de seus aliciadores, bem antes do fato ter sido descoberto.
A presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Santa Isabel, Eliane Araújo ressalta que embora a adolescente residisse com a mãe em Santa Isabel, a mesma estava matriculada em uma escola estadual situada no município de Mogi das Cruzes, onde morou anteriormente com o pai.
“A nossa rede de proteção só tomou conhecimento do caso, após acionamento da própria polícia que, cumprindo um protocolo envolvendo uma menor, solicitou a presença de um conselheiro tutelar para que pudesse acompanhar a vítima, e procedesse com os encaminhamentos necessários e suporte a família”, explicou a Presidente.
Em nota, a Secretaria Estadual de Educação informou que o último registro de frequência da aluna na unidade foi no dia 30 de junho, e desde então, ela não retornou às aulas, estando atualmente com o registro de “Não Comparecimento”, o que é emitido, após o aluno registrar 15 faltas consecutivas.
A Pasta reforça que a direção da unidade esgotou todas as ações na tentativa de reverter as faltas por meio de busca ativa. “Foram feitas tentativas de contato com a família da estudante por diversos meios, e uma notificação foi enviada ao Conselho Tutelar de Mogi das Cruzes, conforme estabelece a resolução Seduc 39”, garantiu.
No entanto, questionada quando a escola teria encaminhado à notificação ao Conselho, a Secretaria de Educação disse não ter o registro da data que efetuou contato com o órgão.
Por sua vez, o Conselho Tutelar de Mogi das Cruzes informou em nota que recebeu uma notificação da escola sobre a baixa frequência e rendimento escolar da adolescente em setembro do ano passado. O órgão garante que, ainda na época, efetuou as buscas no endereço indicado no registro escolar da aluna, mas não encontrou ninguém no domicílio, tão pouco obteve retorno nos telefones informados: “Assim, não foi possível identificar o paradeiro da criança ou para onde a família teria se mudado. É importante ressaltar que não houve qualquer sinalização sobre suposto abuso na notificação recebida”, disse.
Dr. Ariel de Castro Alves explica que a rede de proteção precisa ter um diálogo ativo: “A escola precisa demonstrar que encaminhou o caso por ofício ao Conselho Tutelar e o Conselho precisa esclarecer se fez alguma verificação do caso após ser comunicado pela escola”, explicou
Para o especialista, o caso é emblemático e serve de alerta. “Em geral, quando uma criança ou adolescente deixa de frequentar a escola, deve gerar um alerta em toda rede de proteção social de que a criança ou adolescente pode estar em risco. Esses casos precisam ser verificados e as medidas de proteção e de responsabilização tomadas o quanto antes, pois essas ações podem diminuir os danos às vítimas”, alertou Dr. Ariel.
No procedimento padrão, como o conselho e escola não conseguiram contato com a adolescente e seus responsáveis, a fim de obter informações sobre o motivo do abando escolar, os órgãos deveriam ter repassado o caso ao Ministério Público.
A polícia civil de Santa Isabel enquadrou padrasto e mãe nos crimes de estupro, cárcere privado, abandono intelectual e violência doméstica, ambos estão presos à espera de julgamento. Tanto a adolescente quanto a irmã mais nova, estão sob a guarda e tutela de familiares.