A segunda-feira, 29/08, começou gelada, temperatura de aproximadamente 9ºc e a certeza de que a tarde não seria diferente. Por volta das 15h, a adolescente Vitória Aparecida Silva Arantes, de 15 anos, chegou ao Posto de Saúde do Brotas.
Para sair do carro leva-se um tempo, a cadeira motorizada, que ganhou por meio de uma doação é dobrável e precisa ir no porta malas. A mãe desce do veículo e com a ajuda do motorista a tira do carro e coloca na calçada, perto da porta do passageiro, onde Vitória segue sentada aguardando.
A mãe a carrega nos braços, encaixa seu corpo magro e delicado na cadeira almofadada. Vitoria liga os motores e cumprimenta a reportagem do Ouvidor, convidada a participar de um dia no seu atendimento.
“A consulta foi marcada pela Secretaria de Saúde de Santa Isabel, não sei ao certo o que estamos fazendo aqui”, disse a mãe, Maria Aparecida da Silva.
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No consultório 12, o neurologista aguardava os pacientes. Para Vitória entrar na sala foi necessária experiência em baliza de cadeira de rodas, a porta estreita somada a uma maca colada na porta de entrada e uma cadeira bem à frente da mesa do médico… Tudo era obstáculo. O espaço, como tantos outros por onde Vitória passa, não foi, no passado, projetado para ter acessibilidade.
O médico atencioso questiona a mãe, sempre para a mãe e se dirige à Vitória apenas para fazer a avaliação.
Contudo, diferente de outras crianças e adolescentes que em algum momento da vida sofreram de falta de oxigenação no cérebro, Vitória é notoriamente inteligente. Seu vocabulário arrojado e sua capacidade de dialogar se mostram ainda mais perceptíveis quando a adolescente não se sente pressionada.
Ao final, ele emite um documento para que Maria peça a carteira de gratuidade do transporte público. Há meses Maria luta para sua filha ter acesso a um veículo do município que possa leva-la à clínica particular de Arujá que lhe concedeu um tratamento multidisciplinar inovador.
Mas o transporte nestes moldes a prefeitura se recusa a fornecer, primeiro disse que era por causa da clínica ser particular, depois porque garante que oferece todo esse atendimento dentro de Santa Isabel. Nem o Ministério Público retornou ao pedido/denúncia da mãe.
“Agora você imagina em um dia de chuva eu sair com a Vitória até o ponto de ônibus, há riscos de molhar a cadeira, o motor e o dano ser permanente. Eu teria de chamar um taxi só para chegar ao ponto”, explica Maria.
Paradas na porta do posto de saúde, já encerrando o atendimento, Vitória encontra sua antiga fonoaudióloga e a fisioterapeuta que esteve em sua casa noutro dia. A Fono comemorou ver a menina crescida e a Fisio disse que não podia ajuda-la sem fazer uma avaliação melhor.
Foi uma tarde em vão para o atendimento em saúde. Mas Vitória não reclama, aproveita a oportunidade para partilhar sua indecisão sobre qual faculdade pretende fazer. “Hoje eu prefiro estudar em casa, me concentro melhor e posso fazer as coisas no meu ritmo.
Assim, não sofro a ansiedade de não ter uma turma inteira à minha espera”, conta a adolescente.
Quando questionada sobre o fato da escola não ser apenas a sala de aula, Vitória imediatamente responde: “Mas eu me socializo com outras pessoas, da minha idade, da família e os amigos. Eu tenho amigos sabe!?”, diz adolescente.
Antes de se despedir, falamos de seu nascimento, quando com apenas 27 semanas nasceu junto de sua irmã gêmea. A irmã sobreviveu 12 horas, Vitória Aparecida ficou dois meses na Unidade de Terapia Intensiva e as sequelas do tempo em que seu cérebro ficou sem oxigênio estão no corpo que ela luta para fortalecer com todas as terapias que pode receber.
Ela tinha apenas 800 gramas quando nasceu. Hoje, Vitória é a melhor amiga desta mãe solo, seu ofício, sua referência e seu maior amor. Elas vivem em uma casa de dois cômodos na Avenida Brasil e juntas alimentam a força de seguir adiante.