Não há começo e não há fim na Bienal de Arte de São Paulo, evento que começou nesta quarta-feira (6), no prédio da Bienal, no Parque Ibirapuera, na capital paulista. No ano em que adota como tema as Coreografias do Impossível, a Bienal deste ano propõe ao visitante que se movimente por entre os sons dos ambientes e dos objetos expostos, e que encare o tempo não como uma linha reta ou com destino definido, mas como um círculo de muitos inícios e retornos.Veja Também
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“As coreografias do impossível nos ajudam a perceber que, diariamente, encontramos estratégias que desafiam o impossível, e são essas estratégias e ferramentas para tornar o impossível possível que encontraremos nas obras dos artistas”, explicam os curadores em texto sobre esta edição da mostra.
“O som está sempre ligado ao movimento. Mas acho que, acima de tudo, uma das grandes bases do nosso pensamento é que a música é criada através do movimento no espaço. Ou seja, a forma como nós ritmamos e como atravessamos o espaço e o tempo é que cria a música”, explica Grada Kilomba, uma das curadoras da Bienal deste ano.
Grada ressalta que até mesmo a disposição dos objetos no espaço expositivo cria ritmos para essas coreografias que pretendem enfrentar as impossibilidades do mundo. “Nesse espaço da Bienal onde estamos, o som também está presente na coreografia dos objetos que estão suspensos no ar. Eles têm um ritmo para serem vistos, que são vistos em seguida e, depois, há uma pausa e, depois, há um crescendo, e a música aparece, mesmo sem ser audível. Isso para nós foi um conceito extremamente importante na expografia”, ressaltou.
“Já vínhamos sonhando com nossas florestas internas e, a partir dessa obra, quisemos homenagear entidades antropomórficas e biomórficas que se extinguiram e que voltam, nessa floresta sonhada, como forças protetoras do que existe”, explicou Tiganá Santana, em entrevista à Agência Brasil.
“A ideia é que essa instalação toda reacenda essas florestas interiores, com os abismos e mistérios. Por isso ela é sinestésica e sensorial, para ativação do corpo. Ela não se pretende explicativa ou informativa. A ideia é que ela se comunique com os corpos diversos aqui. Que florestas as pessoas verão? Que ideia de natureza ou de morte ou de vida ou de encantamento as pessoas em contato com essa obra terão?”, explica o artista.
Assim como o tema dessa Bienal, essa floresta infinita cria diversas coreografias e não tem linearidade. “Acho que a reta não pertence bem à natureza. Acho que coreografar é isso, é serpentear a experiência de viver, de se espantar, de temer e de se encorajar”, avalia Tiganá Santana.
A ideia de movimento e de bailado contra as impossibilidades do mundo percorre toda a Bienal. O seu projeto arquitetônico e expográfico foi realizado pelo escritório Vão, que pensou em propor um novo fluxo para o visitante, no qual ele escolhe seu caminho e se torna protagonista de todo o processo. Com isso, o vão central do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, da Bienal, será inteiramente fechado pela primeira vez na história. A ideia é que o visitante construa sua própria Bienal, desafiando o projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer.
Coreografia coletiva
Como em uma coreografia, a Bienal deste ano propõe que os corpos dos visitantes se movimentem por esse espaço e que esse embalo seja feito de forma coletiva. Esse senso de coletividade já se inicia pela curadoria do evento que, pela primeira vez, é feita de forma compartilhada por quatro pessoas – Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel -, sem a figura de um curador-chefe.
“Para nós é extremamente importante ir além dessa noção de nação tendo em conta que muitos artistas vêm de territórios que se estendem por várias nações e que não se identificam necessariamente como uma única nação. Ou tendo em conta também que muitos de nós habitam várias diásporas que atravessam várias nações e vários territórios. Esse é um momento em que nós refletimos e desmantelamos todos esses saberes e terminologias que nos foram dadas e que, no fundo, reduzem nossa existência para uma única identidade e que não é capaz de mostrar nossa complexidade. Eu tenho várias nações em minhas diásporas”, disse Kilomba.
Coletivos
A Cozinha Ocupação 9 de Julho nasceu em 2017, por meio do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC). “A nossa atuação não é só pela moradia. É também pelo direito à cidade e tendo a moradia como porta de entrada para outros direitos”, explica Carmen Silva, uma das fundadoras do MSTC e que faz a gestão de cinco ocupações em São Paulo, entre elas a Ocupação 9 de Julho.
Segundo ela, a cozinha vai mostrar ao público que comida também é cultura. “Comida saudável é arte, é alquimia, é ancestralidade e é resgate de origem pelo cheiro e pelo gosto. Comida é arte”, ressalta.
Nesta Bienal, a Cozinha Ocupação 9 de Julho vai preparar um prato novo a cada dia, a preço popular. E, nos finais de semana, o preparo ficará por conta de um chef convidado. “Estamos aqui com a presença dessa cozinha, que passa a ser uma presença artística, trazendo também toda nossa rede de parceiros que nos fortalecem. Além da comida de qualidade, além das questões de soberania alimentar e da autonomia coletiva, trazemos para cá a ideia de que, juntos, conseguimos mudar a realidade de uma população que sempre foi marginalizada e que nunca teve oportunidade de adentrar outros espaços”, disse a artista Cacá Mousinho, apoiadora da ocupação.
Ao promover um diálogo com a curadoria da Bienal, a Cozinha Ocupação 9 de Julho reforçará a ideia de que cozinhar é revolucionário e que essa é uma forma de coreografar estratégias para a sobrevivência. “A arte está entrelaçada com o ativismo, com o dia a dia, com políticas de direitos humanos e em uma interseccionalidade que, muitas vezes, é entoada em um coletivo”, disse Grada Kilomba. “O movimento coreografa o impossível desde sempre, quando ele ocupa prédios abandonados que deveriam ser devolvidos à população na sua função social”, acrescenta Cacá.
Sauna Lésbica
Também mostrando a força da coletividade, a instalação da Sauna Lésbica se encontra no subsolo do edifício, trazendo em sua fachada um letreiro em neon com o nome do projeto. A obra foi construída com base em políticas de esquecimentos e silenciamentos. Segundo Malu Avelar, uma das artistas da Sauna Lésbica, ainstalação surgiu a partir do questionamento “e se existisse uma sauna lésbica?”.
“O que vai ter aqui na sauna, para além do espaço estético que foi produzido por esse coletivo, é um lugar de escuta. Acho que estamos precisando ouvir. Ao mesmo tempo, a obra vai sendo construída de acordo com o tempo”, explicou Malu Avelar. “E o que mais faz essa obra acontecer é sua ativação, que é quando conseguimos convidar as pessoas a entrarem e elas fazerem parte daquilo. É isso o que as pessoas vão sentir aqui, um lugar de escuta e um lugar de fazer parte e de construir juntas”, acrescentou.
“É a primeira vez que participo [da Bienal] e me emociono porque é uma obra que sai de um nicho. Desenvolvo trabalhos de lesbiandade há muitos anos, e ela acaba sendo restrita para sapatonas. É a primeira vez que estou nesse espaço e tendo a oportunidade de dialogar com uma população mais ampla. Tivemos a consciência de que era muito importante que esse lugar, apesar de permear o erótico, fosse de classificação livre para fazermos esse diálogo maior com a população”, explica Bárbara Esmenia, que também compõe a Sauna Lésbica.
A 35ª Bienal de São Paulo acontece no Pavilhão Ciccillo Matarazzo – prédio da Bienal -, no Parque Ibirapuera, até o dia 10 de dezembro. O evento também prevê uma programação pública, que inclui apresentações musicais, ativações de obras, performances, encontros com artistas e mesas de discussão. A entrada é gratuita.
Outras informações sobre a mostra podem ser obtidas no site da Bienal.