Um passo importante para a dignidade

Um passo importante para a dignidade
O STF formou maioria para por fim a prática de revistas íntimas e vexatórias que acontecem nos presídios brasileiros. Foto: Sejus
Bruno Martins, repórter e editor assistente do Jornal Ouvidor.

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para invalidar a prática de revistas íntimas e vexatórias que há anos ocorrem no sistema prisional brasileiro. Na prática, apesar de o debate ainda passar por futuras discussões na Corte, os familiares de detentos ficam isentos do procedimento de exposição e inspeção das partes íntimas pelos agentes penitenciários.

As revistas íntimas e vexatórias incluem situações degradantes, como despir-se e realizar ações humilhantes sob supervisão dos agentes penitenciários. A decisão da Suprema Corte é um passo importante no combate a essas violações, que perduram há anos com o aval deliberado da própria justiça.

Desde o século passado, o Brasil possui regulações que proíbem tais práticas de constrangimento ilegal, além de garantir a proteção da intimidade e da vida privada. Especialista em direitos humanos e ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o advogado Ariel de Castro Alves pontua que a decisão da Corte, embora importante, foi tomada de maneira completamente atrasada.

“A proibição de tratamentos degradantes para qualquer pessoa existe desde 1988, na Constituição Federal. O Código Penal brasileiro inclusive proíbe e penaliza, desde 1940, quem comete constrangimento ilegal”, explicou o especialista.

Ariel destaca que as revistas íntimas submetem também idosos, crianças, gestantes e pessoas com deficiência ao constrangimento: “A pena do condenado não pode ser transferida ao seu familiar, que acaba sendo penalizado em sua dignidade”, afirmou.

O documento Tortura e Sistema Prisional do Brasil, elaborado por organizações e representantes das mais importantes associações de defesa dos direitos humanos do Brasil e do mundo, classifica a revista vexatória como uma prática ilegal e comum que promove a violência sexual contra a mulher dentro das carceragens.

O documento aponta que as mulheres, em sua maioria negras, são as principais vítimas dessas condutas ilícitas. Uma pesquisa de 2021 mostrou que 77,7% dos entrevistados sofreram esse tipo de violação; 97,7% eram mulheres, sendo que 69,9% eram negras. Além disso, 56,1% relataram xingamentos e ameaças dos agentes, e pelo menos 70% das crianças submetidas também eram negras. A prática ainda é comum, mesmo em estados que a proíbem por lei, como Rio de Janeiro e São Paulo.

Mas por que, em pleno século 21, tal ação ainda ocorre de forma comum e justificada como a única medida eficaz para evitar a entrada de drogas, armas e outros itens ilegais nos presídios? Não existem respostas que justifiquem que tal ato humilhante de inspeções invasivas continue a acontecer.

Os ministros do STF defendem que o governo proíba tal violação e que as revistas pessoais passem a ser realizadas com o auxílio de recursos e equipamentos tecnológicos, como scanners corporais, esteiras de raio-X e portais detectores de metais. Equipamentos comuns e já utilizados em aeroportos.

O Brasil precisa avançar muito nas políticas de humanização do seu sistema prisional, mas se essa transformação está longe de acontecer de dentro para fora, na ressocialização do preso e na garantia eficaz de sua inclusão na sociedade, que ao menos comece pelo lado de fora, garantindo a proteção e o respeito aos direitos fundamentais das famílias desses detentos.

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