Só uma crônica

Lima Barreto
Retrato de Lima Barreto, em sua ficha de internação no Hospício Nacional de Alienados, no ano de 1914. Divulgação Internet.

Na última noite fui assaltado em meu sonho por um conto de Lima Barreto. Vinha-me à lembrança, a todo momento, as peripécias de Castelo, personagem de “O Homem que falava javanês”.

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Você deve estar se perguntando: “E eu com isso!?”. Foi a pergunta que me fiz também e passei o dia remoendo essa história que é uma ode à malandragem nacional. Castelo, um desempregado e oportunista descobre no jornal a oportunidade a uma pessoa que falasse javanês para um emprego que prometia ser maravilhoso.

Não teve dúvidas, habilitou-se ao serviço sem sequer saber uma palavra do idioma malaio. Correu à biblioteca, municiou-se de conhecimentos a respeito do país e da língua, decorou o alfabeto e correu para a entrevista com a certeza de que não apareceria nenhum concorrente para a sua vaga.

O Patrão, um velho milionário tinha um talismã ganho de seu pai que o ganhou do avô e, de ancestral a ancestral, chegou a ele que pretendia passar ao filho. A peça, um livro escrito em javanês garantia fortuna a quem o possuísse e o curioso ancião queria saber de que se tratava tal preciosidade. Contratou o Castelo que, criativo, inventava as histórias que contava ao Patrão como se fossem passagens do misterioso livro.

No breve texto de Lima Barreto fica claro que Castelo se torna personagem da sociedade carioca, circulando nas melhores rodas, convidado inclusive a compor a representação do país em países estrangeiros na condição de “Consul”. E por aí vai!!!

E nós com isso? Passei o dia remoendo essa história e, tentando me desvencilhar dela, optei por indagar como Castelo reagiria no mundo com tanta tecnologia como o nosso. Surpreendeu-me de repente a notícia de algumas nomeações em diversos níveis de governo de pessoas que, aparentemente terão de recorrer ao Google para executar suas obrigações. E quem são esses novos Castelos?

Os vejo todas no universo dos políticos. Não duvido da competência das pessoas em aprender, até invejo algumas, mas há outras que não demonstram o conhecimento de um verbete de enciclopédia e conseguem altos salários nos cargos que ocupam.

Uma das reformas que acredito que o país precisa é essa exigência de conhecimentos técnicos para assumir determinados cargos, extirpando de uma vez por todas a figura do “QI (Quem indica)”, o principal responsável pelos personagens que ocupam diversos cenários da administração nacional e que são, na verdade, exímios professores de javanês!

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