Os dias da consciência negra

por André Drumond

O dia consciência negra, embora não com esse nome, já teve diferentes datas. Há não muito tempo era o 13 de maio. Mas a data da abolição da escravidão nunca foi um consenso no interior do movimento negro. E isso porque a celebração do 13 de maio era também a reiteração da imagem da população negra como marcada pela história da opressão, como vítimas de uma indesejável história escrita por mãos brancas. E, como se não bastasse, embora as lutas abolicionistas tenham tido lideranças de homens e de mulheres negras, a nossa memória histórica insistia no culto à Princesa Isabel, feita redentora. A libertação dos escravizados aparecia como uma concessão da Coroa.

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O 20 de Novembro, por sua vez, é o elogio à memória de Zumbi. Liderança quase mítica de Palmares, essa comunidade de povoados em que, já no século XVII, homens e mulheres resistiram às décadas de investidas das forças militares portuguesas. Exércitos inteiros, um a um, sucumbiram diante de Palmares. Zumbi representa o protagonismo, a resistência e a existência em liberdade.

Mas, junto a essas datas, talvez mais significativas, gostaria de rememorar outra. Na segunda metade do século XIX, quando se formava o movimento radical, que tinha fortes expressões republicanas e democráticas, um de nossos mais importantes poetas procurou contar a história da conjuração mineira de uma maneira pouco convencional. Tida como uma precursora da luta pela independência do Brasil, ela representaria para ele também a luta antiescravista.

Ao longo de sua breve vida, Castro Alves (1847-1871) publicou inúmeros textos antiescravistas. Não apenas o Navio Negreiro, a Canção do africano ou a pouco conhecida Saudação a Palmares. Ele escreveu também uma peça de teatro, chamada Gonzaga, ou a Revolução em Minas, representada em 1867. A narrativa conta a história de Tomás Antônio Gonzaga e de Luís. Gonzaga foi um dos mais destacados inconfidentes. Luís, a quem o poeta negro não atribui sobrenome, era um homem liberto, que, depois de viver um grande amor e formar sua família, viu sua mulher e sua filha serem raptadas de volta ao sistema escravista. Castro Alves narra como o drama de Luís acabaria por se fundir à trama de Gonzaga. A busca pela filha se juntaria à busca pela revolução. Abolição e república. O pessoal e o político. Assim surgiria a emancipação como síntese democrática das lutas que definem a cidadania.

Essas breves indicações são uma amostra das formas com que o movimento negro, em sua plural e rica história, imaginou e projetou suas lutas. Ele é parte constitutiva do que somos, e por isso mesmo, daquilo que podemos nos tornar.

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