O cerco aos devedores

por LUIS CARLOS CORRÊA LEITE

Advogado e colunista do Jornal Ouvidor, Dr. Luís Carlos Correa Leite.

Decisão do Supremo Tribunal Federal validou as decisões de juízes de primeiro grau permitindo a apreensão de passaportes e até mesmo da carteira nacional de habilitação de devedores que não pagam as suas dívidas.

Tal medida rejeitou pedido do Partido dos Trabalhadores, que vê na regra uma agressão aos direitos constitucionais do cidadão. A única divergência partiu do Ministro Edson Fachin.

Mas devemos ficar alertas porque, na ânsia de forçar os devedores a pagarem as suas dívidas, já tivemos a relativização do princípio de que os salários são impenhoráveis, permitindo-se a penhora de parte destes. Se a coisa continuar assim, daqui a pouco voltaremos ao direito antigo, em que o devedor se tornava escravo do credor.

Parece que dessa vez o PT tem razão, porque essas medidas de constrição são claramente inconstitucionais; é um absurdo que uma pessoa seja privada do seu direito de dirigir um veículo e, o que ocorre na maioria das vezes, de exercer o seu ofício, a exemplo dos médicos, de pedreiros, de vendedores etc.

Desde sempre a execução se processou sobre o patrimônio do devedor, que responde pelas dívidas com os seus bens atuais e futuros. Mas os novos entendimentos da justiça, à evidência, estão descambando para o campo das liberdades individuais.

A impenhorabilidade dos salários, prevista e com as exceções do Código de Processo Civil, é um direito fundamental do cidadão. Cabe ao credor, antes de formalizar os seus negócios, avaliar as garantias fornecidas pelo devedor, especialmente nos casos que envolvem empresas e, principalmente, bancos. Não é justo que, não cumprida a obrigação, sejam atropelados direitos constitucionais visando forçar o pagamento, mesmo porque toda dívida inclui o custo do risco. É preciso que o poder legislativo faça uma lei, ou até mesmo uma Emenda Constitucional, que proteja, de forma ainda mais explícita, quais os limites da Justiça dentro do processo de execução.

O cerceamento dos direitos das pessoas, a exemplo do de locomoção, é inadmissível, e só pode ocorrer na forma e nas situações expressamente previstas em lei. Não se pode, a pretexto de dar ao juiz instrumentos para a efetividade das decisões, atropelar os direitos e garantias individuais, entre os quais, o direito à locomoção. Dirigir um veículo é hoje uma necessidade e não um luxo. O mesmo se diga com relação às viagens internacionais, que também servem ao exercício das profissões, a exemplo do que ocorre com empresários, executivas e executivos. Viagens não são feitas apenas para fins de lazer.

A Justiça precisa tomar cuidado, para não se transformar num instrumento de serviço de cobranças.

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