A atriz Léa Garcia, de 90 anos, morreu nesta terça-feira (15), na cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul, onde seria homenageada com o troféu Oscarito, a mais tradicional honraria concedida, desde 1990, pelo Festival de Cinema da cidade.
Antes de sua morte, Léa Garcia concedeu entrevista, relembrando o início de sua carreira, para o Canal Curta que gravou e produziu o episódio inédito “Teatro Experimental do Negro – TEN” da série exclusiva “Companhias do Teatro Brasileiro”.
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“Meu sonho era ser escritora, mas Abdias chegou em minha vida e mudou tudo. O teatro realmente entrou na minha vida após atingir certa idade, por volta dos 16 anos, quando fui com Abdias assistir a “A Herdeira”, com Bibi Ferreira. Foi em uma dessas saídas que meu pai estava me esperando na esquina da minha rua e me bateu. Então, larguei meu material escolar e tudo mais, fugindo de casa. Acabei vivendo com Abdias”, relembra Léa Garcia.
A atriz foi casada com Abdias do Nascimento — ator, poeta, jornalista, economista e militante da causa negra — criador da companhia ao lado de Aguinaldo Camargo, Theodorico dos Santos e José Hernel. O TEN foi uma resposta a uma prática comum na época conhecida como “black face”, na qual atores brancos tinham o rosto pintado de preto para interpretar personagens negros. Abdias ficou indignado ao assistir a uma produção teatral que utilizava essa prática e decidiu fundar um teatro negro que servisse para combater o racismo. O “Experimental” viria para romper conceitos, permitir a experimentação artística e o questionamento das normas estabelecidas. Além, claro, de mostrar que os negros também podiam ser atores e participar ativamente das produções teatrais.
“Em casa, ele costumava me dizer que eu tinha um talento artístico muito grande e uma ótima capacidade de atuação. Eu, porém, dizia que não queria ser atriz, mas ele continuava insistindo. Foi quando engravidei, pouco tempo depois, que ele montou o espetáculo “Rapsódia Negra” (1952) e me convenceu a fazer parte do elenco.” (…) “Eu estreei dizendo ‘O Navio Negreiro’, de Castro Alves, e também dançando uma música chamada ‘Harlem’, onde dançava com Claudiano Filho, também membro do Teatro Experimental do Negro, em um número de jazz. Além disso, havia um quadro focado na dança dos orixás das religiões de matriz africana, onde eu interpretava Oxum. Assim, foi minha estreia no teatro. Uma vez que pisei no palco, não quis mais sair”, comentou Léa Garcia em entrevista exclusiva para a série.
O TEN estreou em 8 de maio de 1945 com a peça “O Imperador Jones”, de Eugene O’Neill, não por acaso, a mesma que Abdias tinha assistido anos antes, marcando a primeira vez que atores negros pisaram no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. O pesquisador Daniel Marano explica que Abdias do Nascimento, desde o começo, quis que o Teatro Experimental do Negro fosse mais do que apenas um grupo teatral, que desenvolvesse atividades paralelas ao palco. Assim vieram os cursos de alfabetização, congressos, debates sobre a questão do negro, concurso de artes plásticas, de beleza e a publicação de um jornal, “Quilombo”.
Ao longo da década de 1960, o TEN se afastou dos palcos devido a questões financeiras e passou a focar mais nas atividades sociais e políticas lideradas por Abdias Nascimento, que seguiu carreira política, uma forma de ampliar conquistas. Em uma rara entrevista, Abdias explica a importância da companhia. “O Teatro Negro é uma afirmação da cultura negra, da capacidade do negro de se organizar, a capacidade de luta do negro e de cultura africana no Brasil, independentemente de qualquer influência branca”.
“Teatro Experimental do Negro” pode ser assistido também no Curta!On – Clube de Documentários, disponível na Claro TV+ e em CurtaOn.com.br.