Direito de pensar: narrativa

Em seu editorial, Roberto Drumond comenta sobre a narrativa, o direito de pensar e os acontecimentos da política nacional.

Roberto Drumond - Editor chefe do Jornal Ouvidor, fala sobre a narrativa e a política nacional.

Não tenho procuração e, aliás, nem mesmo interesse em defender certas pessoas, mas não posso deixar de ler, entender, raciocinar, observar e opinar sobre alguns temas que ocuparam o noticiário essa semana. Não posso também deixar de ter memórias e, de vez em quando, algumas retornam, obrigando-me a relacioná-las aos fatos que acontecem no Brasil.

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Refiro-me ao noticiário dessa semana que fala da descoberta, pela Polícia Federal, de um complô para matar o presidente Lula, o seu vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Morais. A narrativa da PF afirma que, utilizando-se de um sofisticado equipamento israelense, conseguiu-se recuperar da memória apagada do celular do tenente coronel Mauro Cid, informações em que se identifica um complô caracterizado como organização criminosa, abolição violenta do estado democrático de direito e golpe de estado. Três crimes que, deixando barato, pode ser punido com um mínimo de 15 anos de prisão.

Toda vida sou dado a pensar e submeto frequentemente as coisas a um pensamento crítico. Me vem à memória, por exemplo, o conselho dado pelo presidente Lula ao ditador da Venezuela, Nicolás Maduro por ocasião de sua visita ao Brasil. Lula recomendou que a “narrativa da eleição venezuelana precisava ser mudada”. Me lembro bem que, pouco tempo depois aqui nesse mesmo espaço, escrevi sobre a capacidade da Inteligência artificial de gerar diálogo e até mesmo imagens de pessoas falando ou fazendo coisas que jamais fariam.

Foi notícia no Ouvidor

Vem agora, quase dois anos depois de Mauro Cid ter concordado com a delação premiada, a Polícia Federal descobrir na memória apagada do celular do delator, uma conspiração para um golpe de estado que, estava claro, estava sendo articulado desde antes das eleições presidenciais, acrescentando uma pimenta a mais, a intenção de matar as três autoridades.

Me dou ao direito de pensar que pode estar sendo articulada a construção de uma narrativa nova para abater no nascedouro a proposta de uma anistia aos autores do deplorável 8 de janeiro. Me deixa triste a ideia de que no Brasil se articulou um golpe de Estado tanto quanto me deixa envergonhado ter ocorrido a invasão de 8 de janeiro, mas igualmente me entristece a possibilidade de se estar construindo, com uso da tecnologia, uma narrativa para alterar o rumo da história.

A notícia mais fresca diz que Alexandre de Morais manteve os benefícios da Delação Premiada de Mauro Cid, o que pode indicar que o Ministro, assim como eu, questiona o surgimento dessa história extraída sabe-se lá como e quando. Se os 36 indiciados pela PF nesse episódio não lutarem bravamente para desmentir essa narrativa, menos razões eu terei para questionar a tecnologia que usaram para condená-los.

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