A barata e eu

ERICA ALCANTARA
Érica Alcântara é Escritora, jornalista e ex-editora do Jornal Ouvidor

A barata e eu – Quanto mais perto da metade de toda uma vida, mais longe pareço estar de todas as certezas que, sem muitos porquês, fui deixando pelo caminho. Tentando ocupar o vazio indizível de mim fui, ao longo da vida, me preenchendo de tantos outros que mais tarde se tornaram ecos. De mim?

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Caminhamos sobre nossos antepassados para não pisarmos uns nos outros? Mentira. No momento em que nos tornamos pó nos dissipamos, sozinhos, conduzidos para o inevitável mar de todo esquecimento.

Ontem à noite percebi que não tenho mais medo de barata! Deitada em minha cama senti o bater de asas, do voo rasante que ela percorreu sobre meus ouvidos. Atraída pelo abajur, logo acima da minha cabeça, veio. Invasora de minha intimidade quase adormecida, dos meus devaneios testemunhados apenas por Morfeu… Chegou!

Dançou para a luz, como qualquer outro inseto comumente atraído pela lâmpada que irrompe a escuridão da casa inteira. Dançou e pousou, bem na linha logo acima da minha cabeça com seu esqueleto à mostra. Verde!

Foi então que me dei conta que nunca fora a barata, em si mesma, aquilo que me dava agonia, mas toda a sujeira que ela representava.

Mas o corpo mutante, de uma espécie de verde acinzentado, pediu outro conceito. A barata do mato cercada apenas de folhas verdes e terra, agora representava algo novo, de uma familiaridade antiga, de uma infância talvez.  E por pensar tudo isso hesitei.

Devo mesmo matá-la? Não creio, mas creio! Levantei-me insone para encontrar solução sem morte. Não há. Se a vejo, pressinto e sua presença invade a doçura de meu silêncio/solidão em ecos.

Vou até o armário, escolho veneno ao invés dos chinelos. Afinal, pensar em suas tripas expostas manchando a parede me causava mais repulsa que o isolamento temporário para a sala de discos. Afasto, sem movimentos bruscos, os travesseiros abaixo da luz até soltar o “jatosida”, chiiiii, pá! Caiu.

O veneno tem um cheiro doce, eu surpresa, ela letárgica se contorce no piso atrás da cama. Me viro para não ver a morte chegar, sou qualquer coisa que perde o medo das coisas que existem para além das coisas que elas representam.

Mais tarde, recolho o corpo estátua jogando-o no quintal. Lanço-o como quem tenta uma prece desejando que na decomposição de sua existência o veneno doce abdique da própria existência sobre a terra, exatamente onde em pó ou dó, tudo se dissipa um dia.

Esta é a última semana do Mês da Mulheres. Por isso escolhi esta data para escrever qualquer coisa entre a luz do que sou e a sombra do que me representa. Somos toda complexidade que nos habita e é isso que nos faz gigantes diante do próximo medo. Reescreva novos conceitos, e seja, todo dia, cada dia… mais você. Boa Sorte meninas!

Érica Alcântara - Jornalista, Escritora, Poeta e Aprendiz.
Érica Alcântara – Jornalista, Escritora, Poeta e Aprendiz.
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